Na noite de sexta-feira (10), um ataque violento a um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Tremembé, a 156 km de São Paulo, resultou em duas mortes e seis feridos. O conflito se originou de uma disputa prolongada por um terreno vazio de 5.000 metros quadrados, que estava sem utilização há pelo menos dois anos.

O terreno faz parte do Assentamento Olga Benário, uma área regularizada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) desde 2005. Localizado nas proximidades da área urbana de Tremembé, o local se tornou alvo de grileiros que desejavam dividir o lote e transformá-lo em área urbana, segundo relatos de moradores.

Na segunda-feira (13), o assentamento apresentava um clima de medo, com porteiras fechadas e a presença de membros do MST vindos de outras cidades para oferecer apoio às famílias das vítimas. Até o momento, a polícia ainda não identificou a maioria dos responsáveis pelo ataque.

O terreno disputado possui energia elétrica, uma casa abandonada e um poço artesiano vandalizado, situado a apenas 10 minutos da área urbana. O local apresentava marcas da tragédia, com vestígios de sangue na porteira de acesso e na estrada que leva ao lote. Foi nesse cenário que Valdir do Nascimento de Jesus, de 52 anos e militante do MST há mais de duas décadas, foi assassinado. Ele estava prestes a assumir o cargo de dirigente regional do movimento no Vale do Paraíba.

Valdir e outros sete moradores do assentamento estavam na casa abandonada na noite do ataque para proteger o terreno contra um grupo que tentava se apropriar da área. Há mais de um ano, pessoas que se diziam da imobiliária começaram a assediar Valdir para ocupar o terreno. Com sua negativa em colaborar com a invasão, as ameaças se intensificaram.

De acordo com relatos do dirigente Altamir Bastos, amigo da vítima, na terça-feira anterior ao ataque (7), indivíduos tentaram roubar canos do poço artesiano e causaram danos ao local. Essa situação levou os moradores a se prepararem para uma invasão iminente.

Na tarde anterior ao ataque, um homem identificado como Ítalo Rodrigues da Silva ameaçou os moradores para que deixassem o lote vazio e afirmou que retornaria. Ítalo teve sua prisão temporária decretada pela Justiça, mas estava foragido até segunda-feira.

Além de Valdir, Gleison Barbosa de Carvalho, 28 anos, também foi morto. Outros feridos incluem seus irmãos Denilson e Denis Barbosa de Carvalho (29 e 24 anos), Roseli Ferreira Bernardo (49) e sua filha Olga Bernardo Honorio Da Silva (18), Michele Anita da Silva (41) e Jose Luiz Santos de Almeida (41). Denis passou por cirurgia após ser baleado na cabeça.

Uma testemunha revelou que houve mais pessoas na vigília que optaram por ir dormir antes da meia-noite. Aqueles que permaneceram viram um comboio chegar à porteira por volta das 23h. O grupo foi recebido a tiros, resultando nas duas mortes no local.

A testemunha conseguiu levar os irmãos Carvalho para um pronto-socorro em Tremembé após constatar que ainda estavam respirando; uma ambulância demorou cerca de 30 minutos para chegar ao local.

A Polícia Civil investiga se os autores do ataque eram os mesmos grileiros interessados no terreno ou se foram contratados para cometer o crime. Bastos denunciou que assentamentos do MST nas áreas metropolitanas enfrentam crescente pressão para desmembrar seus lotes e vendê-los como terrenos urbanos.

Ele criticou as políticas do governo Jair Bolsonaro (PL), que facilitaram a emissão de títulos de propriedade para assentados, permitindo a venda dos terrenos. Bastos destacou que essa prática tem se intensificado em todos os assentamentos do Vale do Paraíba.

O Incra foi contatado pela Folha de S.Paulo para comentar as afirmações feitas por Bastos, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.