A coragem da imprensa americana tem sido colocada à prova diante das ameaças feitas por Donald Trump e seus aliados. Essa afirmação é de Margaret Sullivan, uma das principais críticas de mídia dos Estados Unidos, que foi ombudsman do jornal The New York Times e atualmente escreve uma coluna no britânico The Guardian.

Segundo Sullivan, a responsabilidade recai não apenas sobre os veículos de comunicação, mas também sobre os conglomerados que os controlam. Ela menciona o recente acordo da rede ABC News, pertencente à Disney, que pagou US$ 15 milhões para encerrar um processo de difamação movido por Trump. Esse tipo de acerto é raro nos Estados Unidos, pois pode incentivar outras ações semelhantes e, além disso, provar uma acusação de difamação contra um meio de comunicação é extremamente difícil, especialmente quando o autor da ação é uma figura pública.

“Há um elemento de covardia e autocensura que é perturbador; e é o oposto do que precisamos no momento”, afirma Sullivan. Ela critica a decisão dos jornais The Washington Post e Los Angeles Times em não publicar editoriais em apoio a Kamala Harris durante a corrida eleitoral, o que ela considera um mau sinal do que estava por vir.

Em outubro, The Washington Post decidiu romper com uma tradição de décadas ao não endossar nenhum candidato. Mais tarde, foi revelado que o jornal tinha um editorial pronto apoiando Kamala Harris, mas o dono do veículo, Jeff Bezos, barrou sua publicação.

Sullivan tem sido uma crítica contundente do trabalho da imprensa americana desde a ascensão do trumpismo. Em seu livro “Newsroom Confidential”, publicado em 2022, ela mistura memórias como jornalista com uma análise da cobertura da eleição de 2016 e discute os atritos na redação do New York Times. Para ela, os veículos continuam cometendo os mesmos erros de dez anos atrás e acredita que o cenário atual será ainda mais desafiador.

“O novo mandato vai ser mais desafiador porque Trump está intensificando sua guerra contra a imprensa com processos judiciais e outras jogadas agressivas”, declarou. Recentemente, Trump defendeu a revogação da concessão da CBS News e seu aliado indicado para chefiar o FBI, Kash Patel, afirmou que o novo governo “vai atrás” da imprensa.

O precedente judicial que dificulta processos de difamação contra a mídia americana e protege a liberdade de imprensa data de 1964. Contudo, a atual composição conservadora da Suprema Corte levanta incertezas sobre como se comportará caso alguma ação desse tipo chegue ao tribunal.

Além disso, o Projeto 2025 — manifesto proposto por setores da direita americana — sugere medidas para facilitar o acesso ao sigilo telefônico e a emails de jornalistas como forma de intimidar repórteres e fontes. Há também expectativas sobre cortes de verbas para a mídia pública, como NPR e PBS.

Entretanto, Sullivan observa mudanças no cenário midiático em relação ao primeiro mandato de Trump. “A mídia tradicional, incluindo a Fox News, não é mais a única ou mesmo a principal fonte de informação das pessoas. Youtubers, podcasters e escritores em plataformas como Substack são influentes de maneiras que não eram anos atrás”, afirma.

Este fenômeno ocorre em um contexto onde analistas americanos apontam o acesso à educação universitária como um fator determinante na posição política dos eleitores. Aqueles com diploma tendem a votar mais nos democratas. Contudo, as últimas eleições mostraram um crescimento do apoio a Trump entre diversos segmentos da população, incluindo eleitores negros e latinos.

“A crítica de que jornalistas são elitistas e distantes da realidade do público é válida em alguns casos. Mas não creio que resolveremos isso contratando jornalistas sem diploma universitário”, ressalta Sullivan. “É fundamental conhecer profundamente o país e escrever com sensibilidade. O papel do jornalista deve ser informar o público, não bajulá-lo.”

RAIO-X | MARGARET SULLIVAN

Nasceu em 1957 no estado de Nova York. É jornalista, crítica de mídia e escritora. Foi a primeira mulher a assumir o cargo de ombudsman no jornal The New York Times, onde atuou entre 2012 e 2015. Em seguida, foi colunista no The Washington Post. Atualmente assina a newsletter semanal American Crisis e mantém uma coluna no The Guardian. Também é diretora executiva do Craig Newmark Center for Journalism Ethics and Security na Universidade Columbia. É autora de “Newsroom Confidential” e outros livros.