O juiz Marcos Scalercio, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), foi aposentado compulsoriamente, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)  por assédio e importunação sexual. A decisão unânime sobre o processo administrativo disciplinar (PAD) aconteceu na 8ª Sessão Ordinária do Conselho, realizada nesta terça-feira (23). A aposentadoria compulsória é considerada a punição mais grave na magistratura no âmbito administrativo. 

Três mulheres denunciaram o juiz e professor de curso preparatório para a Ordem do Advogados do Brasil (OAB), que nega todas as acusações. Uma ex-estudante de um cursinho voltado a estudantes de direito, onde o juiz dava aulas, contou que foi atacada pelo professor quando o encontrou numa cafeteria em 2014. Já uma  funcionária do TRT-2 relatou que foi assediada dentro do gabinete do magistrado no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, em 2018. Na terceira denúncia, uma advogada disse que o juiz a importunou pelas redes sociais em 2020.

Com a decisão do CNJ, Scalercio deixará a função, mas receberá uma quantia mensal calculada com base no seu salário e tempo de serviço. Segundo o site do TRT-2, um juiz substituto ganha, em média, salário de mais de R$ 32 mil mensais.

Ao G1, no entanto, um conselheiro do CNJ explicou que, o magistrado pode perder a aposentadoria proporcional por tempo de serviço caso seja condenado pela justiça comum em ação penal movida pelo Ministério Público. Se for condenado, o juiz perderá rendimentos que recebia desde que foi afastado compulsoriamente.

Atualmente, há uma investigação em sigilo do Ministério Público Federal (MPF), em São Paulo, que analisa as três acusações de assédio sexual contra o magistrado, mas na esfera criminal. Depois da conclusão do inquérito, o MPF precisa relatar o caso à Justiça Federal, que poderá decidir pela perda da aposentadoria. De acordo com a publicação, até janeiro de 2023, o procedimento continuava em sigilo no MPF e ainda não tinha uma conclusão. Os condenados por assédio sexual podem ser punidos com até dois anos de prisão.

DENÚNCIAS

Os casos chegaram inicialmente ao Me Too Brasil, movimento ligado ao Projeto Justiceiras. Os órgãos prestam assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual e haviam levado as denúncias contra Scalercio ao TRT-2, em São Paulo. 

Porém, em 2021, o TRT-2 decidiu, por duas vezes, arquivar as acusações da Reclamação Disciplinar contra o magistrado. A alegação foi a de que não havia provas de que Scalercio assediou ou importunou sexualmente as três mulheres.

Após a repercussão dos casos na imprensa, o Me Too Brasil recebeu mais relatos de mulheres que acusam Scalercio de crimes sexuais. Até setembro, o movimento totalizava 98 denúncias. Seis delas o acusaram de estupro.

O VOTO

Pela primeira vez, foi utilizada, em um voto do órgão, a Resolução CNJ n. 492/2023, que torna obrigatória a aplicação das diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e promove a adoção dessa perspectiva em julgamentos do Poder Judiciário.

Relatora do processo no CNJ, a conselheira Salise Sanchotene afirmou que o juiz também fez uso do cargo como justificativa para convencer as possíveis vítimas a interagirem com ele de forma íntima.

A conselheira determinou, ainda, em seu relatório, o encaminhamento do caso para novas investigações por parte da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Em seu voto, a conselheira ordenou o encaminhamento dos autos à Corregedoria Nacional de Justiça “para a pertinência da apuração dos relatos narrados pelas testemunhas que extrapolam a delimitação contida neste PAD”.

A conselheira Salise apontou que a conduta de Marcos Scalercio afrontou princípios do Código de Ética da Magistratura. “A incompatibilidade da conduta com o exercício da magistratura é inequívoca e se coaduna com a aplicação da pena mais grave [prevista na Loman]”, destacou.

Salise defendeu que, para prevenir e combater o assédio no Poder Judiciário, a integração dos fatos à norma deve ocorrer de maneira amoldada às lentes de gênero e, ainda, adequadamente posicionada na esfera administrativa. “Deve sempre ser levado em conta qual o ambiente de trabalho é proporcionado àquelas pessoas incumbidas de viabilizar a Justiça no País, e o quão fundamental é que esse ambiente seja saudável, para não haver estranhamento entre a jurisdição prestada e a realidade vivenciada para prestar essa jurisdição – que se espera justa”, complementou.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, ministra Rosa Weber, afirmou que os fatos e as condutas são de enorme gravidade, incompatíveis com o exercício da magistratura, merecem repúdio, causam repulsa, constrangem e envergonham o Poder Judiciário. “O que mais dói nesse processo é que as condutas eram adotadas e se invocava a condição de magistrado. Eu posso porque sou juiz. Esse processo é paradigmático enquanto reflete uma sociedade estruturalmente machista que invisibiliza as mulheres. E mais do que isso, as silencia”, disse.