Em um discurso de quase 20 minutos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a 79ª Assembleia da Organização das Nações Unidas, em Nova York, com críticas à própria entidade, aos países que fomentam guerras e gastam bilhões nos conflitos, aos que não se comprometem com a reversão da emergência climática mundial e até mesmo, de forma indireta ao bilionário Elon Musk. Durante o discurso de Lula, a transmissão mostrou que na comitiva brasileira estavam a primeira-dama Janja, e os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira.

Ao abrir a reunião, Lula fez uma saudação especial ao presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, presente à Assembleia da ONU. O presidente brasileiro falou sobre os confrontos envolvendo Israel, o grupo palestino Hamas e que agora chegaram também ao Hezbollah e ao Líbano. Segundo afirmou Lula, o direito de defesa passou a ser direito de vingança.

“Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino. São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”, afirmou.

Lula também citou a guerra entre Ucrânia e Rússia, e falou da dificuldade de se chegar a um acordo que interrompa o conflito. Neste momento da fala do presidente brasileiro, a transmissão mostrou que o presidente da Ucrânia, Zelensky, acompanhava atentamente o discurso. Lula também falou sobre os gastos com armamentos militares em contraposição ao que é investido para a erradicação da fome no mundo.

“2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram 2,4 trilhões de dólares. Mais de 90 bilhões de dólares foram mobilizados com arsenais nucleares. Esses recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima. O que se vê é o aumento das capacidades bélicas. O uso da força, sem amparo no Direito Internacional, está se tornando a regra. Na Ucrânia, é com pesar que vemos a guerra se estender sem perspectiva de paz. O Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano. Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar. Criar condições para a retomada do diálogo direto entre as partes é crucial neste momento”, disse.

A dificuldade da ONU em se impor na solução de conflitos mundiais também esteve presente no discurso de abertura da Assembleia. Lula lembrou do Pacto para o Futuro assinado por líderes mundiais, mas criticou a falta de força política da ONU para transformar o discurso em medidas efetivas.

“Adotamos anteontem, aqui neste mesmo plenário, o Pacto para o Futuro. Sua difícil aprovação demonstra o enfraquecimento de nossa capacidade coletiva de negociação e diálogo. Seu alcance limitado também é a expressão do paradoxo do nosso tempo: andamos em círculos entre compromissos possíveis que levam a resultados insuficientes. Nem mesmo com a tragédia da COVID-19, fomos capazes de nos unir em torno de um Tratado sobre Pandemias na Organização Mundial da Saúde. Precisamos ir muito além e dotar a ONU dos meios necessários para enfrentar as mudanças vertiginosas do panorama internacional”, destacou Lula. 

Em relação ao problema da emergência climática enfrentada por todo o mundo, o presidente brasileiro cobrou maior compromisso de todos os países no enfrentamento da questão que, segundo ele, já não é mais algo a ser solucionado em um futuro próximo. “O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos que não são cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que nunca chega”, pontuou.

O presidente Lula elencou situações em todo o mundo que mostram o drama das mudanças climáticas, e que evidenciam a necessidade de uma ação urgente e conjunta das nações. Lula não deixou de citar acontecimentos recentes no Brasil, e reconheceu que é preciso fazer muito mais para prevenir as catástrofes ambientes.

“O negacionismo sucumbe ante às evidências do aquecimento global. 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna. Furacões no Caribe, tufões na Ásia, seca e inundações na África e chuvas torrenciais na Europa deixam um rastro de morte e destruição. No Sul do Brasil, tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto. O meu governo não terceiriza a responsabilidade e nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer muito mais”, afirmou o presidente. 

Nesse ponto de seu discurso, Lula aproveitou para elencar ações realizadas pelo seu governo para o combate aos crimes ambientais. 

“Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e como o crime organizado. Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano e vamos erradicá-lo até 2030”, disse.

O presidente também fez críticas veladas ao empresário norte-americano Elon Musk, dono da rede social X. Lula disse que as  plataformas digitais devem se submeter às leis de cada país, e completou dizendo que a liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras”.

“O futuro de nossa região passa sobretudo por construir estado sustentável, eficiente, inclusivo e enfrente todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações e plataformas digitais que se julgam acima da lei. A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras. Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital”, colocou o presidente.

Na parte final de seu pronunciamento, em nova estocada na ONU, o presidente brasileiro voltou a defender a necessidade de uma reforma no organismo internacional, e destacou que nunca na história uma mulher ocupou o principal cargo de comando das Nações Unidas.

“Inexiste equilíbrio de gênero no exercício das mais altas funções. O cargo de Secretário-Geral jamais foi ocupado por uma mulher”, criticou Lula.

Uma outra crítica feita por Lula às nações se relacionou ao embargo econômico a Cuba. Para o presidente brasileiro, a população do país é que paga o preço desse bloqueio. “É injustificado manter Cuba em uma lista unilateral de Estados que supostamente promovem o terrorismo e impor medidas coercitivas unilaterais, que penalizam indevidamente as populações mais vulneráveis”, afirmou o presidente.

Ao final de seu discurso, o presidente Lula voltou a defender mudanças no Conselho de Segurança da ONU, que, segundo ele, exclui países da América Latina e da África. Lula pediu que haja espaço para a discussão mais abrangente de reformas na entidade. 

“Não tenho ilusões sobre a complexidade de uma reforma como essa, que enfrentará interesses cristalizados de manutenção do status quo. Exigirá enorme esforço de negociação. Mas essa é a nossa responsabilidade. Não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre os seus escombros uma nova governança global. A vontade da maioria pode persuadir os que se apegam às expressões cruas dos mecanismos do poder. Neste plenário ecoam as aspirações da humanidade. Aqui travamos os grandes debates do mundo. Neste foro buscamos as respostas para os problemas que afligem o planeta. Recai sobre a Assembleia Geral, expressão maior do multilateralismo, a missão de pavimentar o caminho para o futuro”, concluiu o presidente brasileiro.

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