O Centro Especializado contra o Contrabando de Migrantes e o Tráfico de Pessoas, ligado à Ameripol (Comunidade de Polícias das Américas), resgatou 54 pessoas e prendeu 78 suspeitos em seu primeiro ano de funcionamento. Entre as vítimas estão mulheres e crianças exploradas sexualmente, além de pessoas submetidas a trabalho análogo à escravidão no Brasil e na Europa.

De acordo com as investigações, muitas das vítimas foram atraídas por ofertas falsas de emprego, que não se concretizaram. Há registros de exploração sexual no Haiti e na Espanha, além de casos de trabalho escravo na Europa e no estado de São Paulo.

Criado em 2022 e em operação desde o fim de 2024, o centro tem sede no Brasil e é comandado pelo delegado da Polícia Federal Daniel Daher. A iniciativa atua por meio da cooperação entre forças policiais das Américas, com o objetivo de agilizar investigações e ampliar a repressão a redes criminosas transnacionais.

Rotas ilegais e atuação de coiotes

Nas ações voltadas à imigração ilegal, o centro desarticulou organizações que enviavam migrantes para a União Europeia utilizando passaportes de terceiros ou vistos falsificados. Segundo o delegado, os Estados Unidos estão entre os destinos mais procurados, com coiotes cobrando até US$ 20 mil por pessoa, movimentando cifras bilionárias.

Entre as principais rotas utilizadas está a travessia terrestre pela Floresta de Darién, na fronteira entre Panamá e Colômbia, considerada uma das regiões mais perigosas do mundo.

“Essas pessoas ficam expostas a ataques de animais, doenças tropicais, abusos de coiotes e das organizações criminosas. O risco à vida e à integridade física e mental é enorme”, afirmou Daher em entrevista à Folha de S.Paulo.

Brasileiros entre os detidos

Dados da agência federal de controle de fronteiras dos EUA, analisados pela Polícia Federal, indicam que 22.990 brasileiros foram detidos em 2024 ao tentar entrar ilegalmente no país. Até outubro deste ano, 2.262 brasileiros foram deportados, o maior número desde pelo menos 2020, representando um aumento de 36,2% em relação ao total registrado em 2024, durante o governo Biden.

No último dia 10, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil divulgou um vídeo incentivando imigrantes em situação irregular a utilizarem um aplicativo oficial do governo americano para retorno voluntário ao país de origem. A ação foi apresentada como uma iniciativa do Departamento de Segurança Interna (DHS), dentro das diretrizes do governo Donald Trump.

Tráfico de pessoas e legislação

O delegado ressaltou que, nesses casos, o criminoso é quem explora a imigração ilegal, e não o migrante que busca melhores condições de vida.

“O migrante não deve ser preso, mas sim deportado ou extraditado. O foco é atingir quem lucra com essa exploração”, afirmou.

A legislação brasileira considera tráfico de pessoas os crimes relacionados à exploração sexual, trabalho escravo ou análogo, remoção de órgãos e adoção ilegal. O Código Penal prevê penas de quatro a oito anos de reclusão, além de multa, com aumento de um terço quando as vítimas são crianças ou adolescentes.

Investigações e prevenção

As investigações do centro envolvem migrantes que passaram pelo Brasil com destino final à Europa. Em junho, a Operação Vuelta desarticulou um grupo responsável pela logística dessas viagens, incluindo o uso de documentos falsificados, com vítimas, em sua maioria, da República Dominicana.

Também foram identificados casos de exploração laboral envolvendo bolivianos, africanos e venezuelanos, além de vítimas aliciadas por falsas propostas de emprego em centros de telemarketing no Sudeste Asiático, onde eram forçadas a atuar em golpes virtuais ou falsas agências de modelos.

Segundo Daher, boa parte desses crimes migrou para o ambiente digital, com recrutamento por meio de redes sociais e sites falsos.

“As vítimas são seduzidas por propostas atraentes, com custos pagos. Ao chegarem ao destino, encontram uma realidade completamente diferente: cárcere privado, jornadas exaustivas e violência física e psicológica”, explicou.

O delegado destacou ainda a importância de investir em prevenção e assistência às vítimas, reforçando o papel humanitário da polícia.

“Não basta prender o traficante. A polícia é a primeira a ter contato com as vítimas e precisa garantir apoio, acolhimento e proteção para que elas não sejam revitimizadas”, concluiu.