Recentes manifestações de moradores da Faixa de Gaza contra o governo do Hamas evidenciam um crescente descontentamento popular com o regime que, por anos, se utilizou da população em nome da luta contra Israel. Hamza Abu Howidy, um dos pioneiros desses protestos, expressa: “Estávamos esperando por isso há muito tempo. Não é fácil pedir ao povo de Gaza para protestar quando há uma arma apontada para sua cabeça. Seria como pedir aos reféns israelenses para protestar contra seus captores.”

Com 28 anos, Howidy participou dos primeiros atos de contestação em 2019 e ajudou a organizar uma nova onda de protestos em 2023. Durante essas mobilizações, ele enfrentou três semanas de prisão e tortura sob a repressão do Hamas, o que o levou a fugir de Gaza. Após uma experiência difícil em campos de refugiados na Grécia, ele obteve asilo na Alemanha e reside ao norte de Berlim há cerca de um ano.

Em sua nova vida, Howidy enfrenta ainda desafios. Ele relatou ter recebido ameaças de morte diárias por sua oposição ao Hamas, mesmo vivendo longe da Palestina. “Recebo ameaças todos os dias,” disse ele. “A vida agora está melhor, mas longe do ideal.” Sua crítica ao Hamas não implica condescendência em relação à campanha militar israelense que se intensificou após o ataque terrorista de 7 de outubro de 2023, que resultou na morte de 1.200 pessoas.

Segundo dados do Ministério da Saúde controlado pelo Hamas, cerca de 50 mil palestinos perderam a vida no território desde então, enquanto Tel Aviv reiniciou os ataques após romper um cessar-fogo estabelecido no fim de janeiro.

Os recentes atos contra o Hamas refletem uma mudança na percepção popular. “Quando deixei Gaza, o Hamas contava com apoio da maioria. Mesmo aqueles que não gostavam do grupo acreditavam na narrativa da resistência armada. Mas agora, após a guerra, as pessoas perceberam as consequências disso,” afirmou Howidy.

Ele destaca que os cidadãos estavam famintos enquanto o Hamas prosperava: “Viram como o Hamas estava apenas usando-as.” Para Howidy, é legítimo resistir sob ocupação, mas os palestinos precisam reconhecer que a resistência armada não trouxe soluções após 80 anos.

O futuro parece incerto para ele e para outros gazenses. “Precisamos de uma alternativa. O governo [do premiê israelense] Binyamin Netanyahu diz que a ANP [Autoridade Nacional Palestina] não serve. Então nos diga o que serve,” desafia Howidy.

Apesar das dificuldades, pesquisas recentes indicam que o Hamas ainda mantém apoio significativo entre 35% dos gazenses, enquanto a ANP conta apenas com 21%.

Howidy cresceu em Gaza e foi educado sob a influência do Hamas desde pequeno. Embora tenha recebido ensinamentos antissemíticos nas escolas, seu pai, professor no Reino Unido, proporcionou-lhe uma perspectiva crítica sobre a propaganda do grupo. Após estudar na Universidade Islâmica de Gaza e perceber que as aulas eram voltadas à fabricação de armas ao invés de construção civil, ele decidiu mudar seu foco acadêmico para contabilidade.

A ausência de vínculos com o Hamas também limitou suas oportunidades profissionais. “Fiquei furioso,” relembra Howidy. “O Hamas dividiu Gaza entre uma elite rica e apoiadores e nós.” Essa divisão social acentuou ainda mais seu desejo por mudança.