O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) utilizou helicóptero do governo estadual mesmo após sair do cargo, em abril de 2014. A informação foi dada por um dos pilotos ligados à Subsecretaria Militar ao Ministério Público.

A investigação da Promotoria culminou numa denúncia de peculato contra Cabral e a mulher, Adriana Ancelmo, oferecida em março. Eles são acusados de fazer ao menos 2.281 voos privados com as aeronaves do estado —um prejuízo calculado em R$ 20 milhões.

O MP ouviu 19 pilotos e copilotos sobre a rotina de voos. Eles afirmaram que o emedebista costumava levar amigos para Mangaratiba, onde tem casa de veraneio no condomínio Portobello. No período de férias escolares dos filhos, Cabral também costumava dormir na cidade da Costa Verde e voltar no dia seguinte.

A Folha teve acesso aos depoimentos dos pilotos com seus nomes tarjados. Um policial militar disse que “chegou a pilotar o helicóptero Agusta quando o governador já era [Luiz Fernando] Pezão, tendo o ex-governador Sérgio Cabral, na condição de cidadão comum, voado para sua casa de veraneio em Mangaratiba”.

As planilhas de controle de uso das aeronaves do estado, publicadas na internet desde agosto de 2013, não mostram o nome de Cabral entre os passageiros após abril de 2014. O governo disse, em nota, que não há registro desse voo.

Não é o primeiro relato sobre Cabral usando as instalações de operações aéreas do estado fora do cargo. A Folha revelou em 2017 que ele utilizou por três vezes o heliponto do Palácio Guanabara em voos fretados quando já havia deixado o governo.

À época, o governo do Rio afirmou que o heliponto pode ser usado por qualquer pessoa desde que cumpridas as exigências de segurança.

Um dos pilotos afirmou também ter transportado o ex-presidente Lula quando já estava fora da Presidência. Um bombeiro relatou ao MP que transportou uma corretora de imóveis sozinha num dos helicópteros para se encontrar com Cabral em Mangaratiba.

Um piloto disse ter levado Cabral para Búzios na casa de Edson Bueno, controlador da Amil morto em 2017. A Amil foi cliente do escritório de Adriana, tendo repassado cerca de R$ 6 milhões à firma de 2009 a 2014.

A Folha revelou há um ano que os helicópteros do estado pousaram 1.481 vezes entre 2007 e 2014 no condomínio Portobello. A reportagem relatava voos mesmo quando o ex-governador estava no exterior, além de casos de decolagens simultânea de aeronaves em plena madrugada.

Um piloto disse que transportou amigos da família Cabral após desfile das escolas de samba na Marquês da Sapucaí.

O juiz Guilherme Schilling aceitou a denúncia contra Cabral e Ancelmo. O promotor Cláudio Calo, responsável pelo caso, enviou as investigações para o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, e para a Procuradoria-Geral da República para avaliar eventual apuração sobre a conduta do governador Pezão.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão também usou um helicóptero do governo, em novembro de 2015, para dar palestra em Mangaratiba. Era, à época, relator de inquérito sobre Cabral, Pezão e o ex-secretário Régis Ficthner, suspeitos de solicitar R$ 30 milhões ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa para caixa dois em 2010. A investigação foi instaurada em março de 2015.

O ministro disse que quem organizou o voo foi o Instituto dos Magistrados do Brasil, responsável pelo seminário “Questões Jurídicas Relevantes no Transporte Coletivo”, no Hotel Portobello. Inicialmente, o governo declarou em nota que a solicitação partiu de Salomão. Meia hora depois, atribuiu ao IMB o pedido. O instituto não se posicionou.

“Disse aos organizadores: ‘Só consigo fazer a palestra se for de helicóptero e voltar de carro porque tenho um compromisso de família aí no Rio’. Não tinha a menor noção de que era helicóptero do estado”, afirmou o ministro. Segundo o piloto, a meta do voo era deixá-lo na casa de Cabral —próxima do hotel.

Nunca fui à casa do [ex-]governador, em Mangaratiba, no Rio, em lugar nenhum”, disse Salomão.

Governo diz que não localizou voo de ex-governador

OUTRO LADO

O governo do Rio disse que não localizou o voo com Cabral relatado por pilotos do estado. Sobre a cessão da aeronave a Salomão, o governo declarou que o pedido foi atendido “por ser um ministro do Rio no STJ, em agenda institucional”. A defesa de Cabral não comentou o caso. Em oportunidades anteriores, ele disse que usava o helicóptero por recomendação de segurança da Subsecretaria Militar.

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