Rebaixamento do Brasil é responsabilidade coletiva, diz economista Redação 14 de janeiro de 2018 Destaque, Política O rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência S&P na semana passada ocorreu por dificuldades no avanço do ajuste fiscal, e a responsabilidade por isso é coletiva, afirma o economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central, Mario Mesquita.Uma eventual piora da Bolsa ou do dólar, diz, poderia ajudar a convencer parlamentares a aprovar a reforma da Previdência. O mais provável, porém, é que ela fique mesmo para depois das eleições.Pergunta – O que muda com o rebaixamento do Brasil?Mario Mesquita – Poderia haver uma piora importante dos preços de ativos, queda da Bolsa e alta do dólar. Mas o cenário global benigno tem mitigado reações mais fortes dos ativos ao noticiário local.A medida surpreendeu?Mesquita – Dada a dificuldade em aprovar a reforma da Previdência, era esperada, ainda que com um timing incerto. É possível que a agência tenha preferido agir agora, visando não ter exposição excessiva durante o período eleitoral.Pode influenciar a votação da reforma da Previdência?Mesquita – Uma piora importante dos preços de ativos poderia, de certa forma, ajudar o governo no seu esforço de convencimento dos parlamentares.Houve complacência do mercado com o governo?Mesquita – Não vejo assim. É importante lembrar que o governo foi capaz de aprovar reformas estruturais importantes, como a trabalhista e a nova TLP [juro de empréstimos do BNDES].Onde o governo Temer errou?Mesquita – O rebaixamento é resultado da dificuldade no avanço do ajuste fiscal, que não se viabiliza sem a Previdência. O governo foi prejudicado pela falta de apoio no Congresso para a aprovação da reforma. O rebaixamento é resultado de responsabilidade coletiva.A Previdência sai neste ano?Mesquita – Não. As chances são menores do que 50%.A aprovação pós-eleições não teria mais legitimidade?Mesquita – Se fosse preciso ter chancela eleitoral, não deveríamos ter passado nenhuma reforma. A legitimidade está no Congresso, que foi eleito.O teto de gasto será cumprido?Mesquita – Temos três regras fiscais: o primário [resultado das contas excluídos os juros], a regra de ouro [impede a União de captar recursos em volume superior a investimentos] e o teto da dívida. Há dúvida sobre o cumprimento de todas, o que ressalta a severidade da crise fiscal. O governo vai precisar economizar R$ 30 bilhões para cumprir o teto em 2019.A reforma da Previdência ajudaria?Mesquita – Do jeito que ela está desenhada hoje, geraria economia de R$ 15 bilhões já a partir de 2019 se fosse aprovada neste ano. O governo teria que buscar outros R$ 15 bilhões em medidas como a reoneração da folha de salários ou mudanças no abono salarial.Ou seja, sem reforma neste ano, não seria possível cumprir o teto?Mesquita – Só a reforma não resolve e sem ela fica muito mais difícil.A regra de ouro será revista?Mesquita – Criar uma espécie de waiver [renúncia] da regra com contrapartidas talvez seja inevitável. O meu temor é que as contrapartidas sejam diluídas. Com a devolução dos recursos do BNDES ao Tesouro, não deve haver problemas com a regra em 2018, mas 2019 pode ser mais complicado.A inflação se mantém baixa?Mesquita – Um pouco abaixo de 4% neste ano. Mais adiante, só com consolidação fiscal. Sem isso, a dívida pública segue trajetória insustentável e, em algum momento, investidores tendem a ir para outros ativos, como imóveis e dólar. Uma fuga para o dólar, como em 2002, pressionaria a inflação.E o juro?Mesquita – Há espaço para mais dois cortes na taxa Selic, chegando a 6,25%.Quando o juro volta a subir?Mesquita – A partir do segundo trimestre de 2019, para perto de 8%. Seria a consolidação do novo ambiente: terminar o próximo ciclo de alta de juro abaixo de 10%. A reforma da Previdência em 2019 viabiliza essa trajetória. Sem ela, no mais tardar, no primeiro semestre de 2019, haverá combinação mais adversa de inflação e juro.E o endividamento público?Mesquita – Neste e no próximo ano, com crescimento econômico, queda de juros e pagamento do BNDES para o Tesouro, o ritmo de expansão da dívida pública vai desacelerar. A gente pode ter uma calmaria enganosa em 2018.O BNDES vai deixar de ser indutor da economia?Mesquita – O BNDES é uma fonte, não precisa ser a única. Uma transição para uma economia em que o Estado tem um papel de menor protagonismo e o setor privado é mais efetivo na liderança seria benéfica.Mesmo sendo um país tão desigual?Mesquita – O Estado emprestar recursos por meio de instituições financeiras para algumas das famílias mais ricas do país não pode ser considerado política redistributiva. Não defendo o Estado mínimo. Mas teve ano em que governo gastou mais subsidiando consumo de energia à classe média do que com o Bolsa Família. Faz sentido social? Não parece fazer.Qual a projeção para o PIB?Mesquita – Alta de 3% neste ano e de 3,7% no ano que vem. Mas há incerteza sobre a continuidade da política econômica.E o eleitor nesse ambiente?Mesquita – A sensação de bem-estar econômico, sozinha, não define o cenário eleitoral. Favorece um voto de continuidade, mas a economia não será tão decisiva quanto foi em 2010, com crescimento de 7,5%.O eleitor vai votar com os anos de boom na cabeça?Mesquita – Pode ser que pinte um saudosismo. Há quem fale que tem um candidato que suscita saudosismo de 10 anos atrás, e outro, de 40 anos atrás. Acho que a tendência da memória não é tão longínqua. Em outros países, como os EUA, o período de seis meses antes das eleições é mais relevante.O que não deve faltar nas propostas dos candidatos?Mesquita – Compromisso com o ajuste e a Previdência. Como é um tema visto como antipático pela população, não me surpreenderia se os candidatos fizessem um acordo tácito de não ficar falando sobre ela. Mas as equipes precisam ter compromisso com isso.O mercado reedita a aversão a Lula de 2002, mas ele é um político pragmático, não?Mesquita – O mercado é pragmático. Vai olhar não só a personalidade do candidato mas também o entorno dele e a capacidade de articular com o Congresso. A melhor ideia do mundo com o apoio de dez deputados não funciona. Grande apoio com falta de clareza sobre o ajuste também não. A margem para erro e experimentação foi totalmente consumida no governo anterior. Saindo de uma dívida pública de 75% do PIB, se o novo governo entrar errando, a chance de piorar de forma mais aguda será grande. DEIXE UMA MENSAGEM Cancel ReplyYou must be logged in to post a comment.