O governo federal postergou a solução para a disputa do risco hidrológico –que, nos últimos anos, gerou uma briga bilionária no setor elétrico– e frustrou grande parte do setor, que dava como certa uma resolução para a disputa ainda neste ano.

A medida provisória que o mercado esperava que trouxesse uma resolução do problema foi publicada nesta sexta (29), mas sem mencionar o tema.

O texto se restringiu a medidas que abrem caminho para a privatização da Eletrobras -embora as medidas sejam apenas um primeiro passo para o processo, que ainda terá de enfrentar uma série de entraves.

O problema em torno do risco hidrológico começou em 2014, quando a seca passou a reduzir a capacidade de geração das hidrelétricas. Para honrar com os contratos assumidos, as usinas passaram a ter que comprar energia no mercado de curto prazo, a preços mais elevados.

A situação se agravou porque a ONS (órgão federal que controla a operação das usinas) passou a priorizar o acionamento de termelétricas, para preservar os reservatórios de água. Assim, mesmo que as usinas tivesses capacidade para operar, eram “impedidas” pelo governo.

A reação dos geradores foi acionar a Justiça: diversas associações conseguiram liminares que isentavam as usinas de arcar com esses custos, ou ao menos parte deles.

O resultado é um rombo de cerca de R$ 5,61 bilhões na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), órgão onde ocorre a liquidação dos contratos de compra e venda de energia.

No dia 15 de dezembro, uma liminar da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel) –a única que havia chegado ao STF– foi derrubada, o que abriu caminho para a publicação de uma Medida Provisória para resolver a questão.

Assim, após mais de dois anos de negociação, a expectativa do setor era que uma solução para o problema ocorresse ainda neste ano. A ideia seria oferecer uma prorrogação do contrato de concessão das usinas que, em troca, aceitariam a dívida e abririam mão das ações judiciais.

A Aneel (agência reguladora do setor), porém, se opõe fortemente ao plano, e defende que as geradoras arquem com os custos integralmente.

“A agência, enquanto órgão regulador, entende que os geradores são responsáveis pelo custo e não deve haver a prorrogação da concessão nem o repasse dos valores aos consumidores”, afirma o presidente da Comerc, Cristopher Vlavianos.

TEMOR

A publicação da MP sem o tema frustrou o mercado, que vem sofrendo com a insegurança jurídica criada pelo impasse, diz Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.

“Era dado como certo que haveria uma solução. Vejo com temor esse recuo do governo. Com esse nível de judicialização, há um risco de paralisação do setor.”

Há ainda o temor em relação à saúde financeira das geradoras, segundo Vlavianos.

Recentemente, a única liminar a favor dos geradores que havia chegado ao STF foi suspensa, o que deverá obrigar todos os demais geradores inadimplentes a pagarem os débitos bilionários.

“É provável que não tenham recursos para aportar o valor, isso pode gerar um problema ainda maior. Se a concessão for prorrogada, ao menos haverá melhor condições de crédito para as empresas pagarem a dívida.”

Segundo o Ministério de Minas e Energia, o tema ainda segue em discussão dentro do governo, mas foi retirado da MP para não travar o andamento da venda da Eletrobras.

Perguntado sobre o prazo para a resolução da disputa, o órgão, via sua assessoria de imprensa, afirmou apenas que estão previstos para o início de 2018 dois projetos de lei: um sobre o novo marco do setor elétrico –discutido em consultas públicas ao longo deste ano– e outro, que tratará da modelagem da privatização da Eletrobras.

ELETROBRAS

A MP deixou de solucionar o tema do risco hidrológico, mas trouxe medidas importantes para destravar a venda da estatal de energia.

Uma delas é a exclusão da Eletrobras do Programa Nacional de Desestatização -o que, na prática, permite que o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos, criado pelo governo Temer) siga com a modelagem da venda.

A medida é meramente processual, mas é importante por trazer segurança jurídica ao processo, afirma Fabiano Brito, sócio do escritório Mattos Filho.

A MP também dá condições para que as distribuidoras da estatal, que hoje acumulam dívidas bilionárias, possam receber créditos de fundos setoriais —o que poderá amenizar o problema do endividamento.

“São pequenas mudanças que, juntas, dão mais valor aos ativos”, diz João Carlos Mello, presidente da consultoria Thymos.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), porém, criticou o governo pela publicação das mudanças via medida provisória e afirmou que não colocará o texto em votação no plenário.

Segundo ele, o acordo com o Palácio do Planalto era que a elaboração das regras para a privatização da estatal de energia fosse feita em parceria com o Legislativo, com o envio de projetos de lei ao Congresso.

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