Síndico de um condomínio na Vila Sônia,na zona sul, o administrador José Ronaldo Menezes, 51, levou um susto ao receber cinco carnês de IPTU de uma só vez em agosto passado. As novas cobranças, que vencem nos próximos dias e beiram os R$ 3.700, apareceram após ele ter quitado o tributo devido de 2017.

Ele e outros 339 moradores do Condomínio Jardins e Quintais, construído no início dos anos 2000 com apartamentos de 64 m², pretendem entrar na Justiça contra o imposto adicional.

Segundo a gestão João Doria (PSDB), trata-se de uma cobrança com efeito retroativo aos últimos cinco anos devido a uma atualização do valor venal do imóvel –por causa de uma fraude interna na prefeitura, esse valor teria sido lançado de forma irregular.

O caso do condomínio revela um recorde de cobranças retroativas na gestão Doria após aumento na fiscalização, segundo dados da Secretaria da Fazenda. Esses impostos “extras” são cobrados sempre que a prefeitura detecta erros no cadastro do imóvel, seja por desatualização, incorreção de cálculos, omissão de reformas e ampliações ou fraude.

Medidas do tipo foram intensificadas na gestão passada, mas cresceram mais em 2017, ano em que Doria prometeu não fazer reajustes no imposto, pelo menos até o ano que vem, quando ocorrem as eleições. Em 2017, a previsão é arrecadar R$ 8,2 bilhões em IPTU, perdendo apenas para o ISS (R$ 12,7 bilhões).

Doria trava disputa interna no PSDB com o governador Geraldo Alckmin para a escolha do candidato do partido nas eleições à Presidência no ano que vem. Alckmin teve papel decisivo na escolha de Doria como candidato tucano na disputa municipal.

Para ser candidato ao Planalto ou ao governo paulista em 2018, o prefeito terá de deixar o cargo até o início de abril (seis meses antes da eleição).

De janeiro a setembro, a prefeitura lançou R$ 215,7 milhões em novas cobranças, num total de 70.467 notificações a imóveis. Em todo o ano passado –último ano da gestão da Fernando Haddad (PT)– foram R$ 169,8 milhões (46.685 notificações). A alta na arrecadação chegará a 28%. Já o número de avisos de cobranças extras subiu 50%. A cidade tem cerca de 3 milhões de imóveis.

MALHA FINA

O caso desse condomínio da zona sul faz parte de uma das listas da malha fina do IPTU, com notificação de lançamentos novos, revistos ou complementares.

Segundo a prefeitura, a mudança no condomínio Jardins e Quintais ocorreu por suspeita de fraude da construtora, que caiu na malha fina da investigação sobre a Máfia do ISS –na qual auditores fiscais exigiam propina de empreiteiras para reduzir cobranças também no IPTU.

A descoberta ocorreu por meio de denúncia à Fazenda municipal em 2014, mas só agora a ação foi finalizada. Com isso, o imóvel antes avaliado em cerca de R$ 160 mil passou a R$ 270 mil, tirando os moradores da faixa de desconto.

Segundo a prefeitura, ao detectar tal incorreção, ela é obrigada a cobrar os valores referentes a cinco anos anteriores, conforme prevê a legislação tributária. Só no caso do condomínio da Vila Sônia, a arrecadação gira em torno de R$ 1,2 milhão, aproximadamente.

De acordo com técnicos da secretaria, qualquer servidor pode fazer alterações nos valores de imóveis ao detectar erros, embora a atualização da Planta Genérica de Valores (base para a cobrança do imposto) tenha que ser feita, por lei, a cada quatro anos.

CARNÊS MÚLTIPLOS

Segundo Menezes, todos os moradores das cinco torres do condomínio receberam os múltiplos carnês, com valores variados. “Teoricamente, a prefeitura teria cobrado o valor a menos no passado, foi isso que entendemos. Aí a prefeitura mandou a cobrança, que estamos contestando”, afirmou.

Para a advogada tributarista Sheila Shimada, a prefeitura está desrespeitando o Código Tributário Nacional ao enviar mais de um carnê no mesmo ano. “Esses cinco carnês a mais foram um erro grosseiro, são indevidos”, afirmou a advogada, que foi procurada pelos moradores.

Para ela, a decisão se contrapõe à promessa do prefeito de não aumentar o imposto no ano que vem. “O que adianta não reajustar em 2018 se estão cobrando valores antigos dos de cobrança retroativa?” O síndico diz que será elaborada uma ação coletiva para tentar reverter a cobrança na esfera administrativa. Se o pedido for negado, eles vão entrar na Justiça.

“Somos vítimas. Se houve alguma fraude envolvendo a construtora e auditores fiscais da própria prefeitura, não somos nós que temos que ser punidos”, diz Menezes. Ele acrescenta que o bairro onde ficam as cinco torres do condomínio, o Jardim Jaqueline, está numa área com infraestrutura ainda precária. “São pessoas simples que moram aqui.”

AVANÇO TECNOLÓGICO

O secretário municipal da Fazenda, Caio Megale, diz que a cobrança feita a imóveis nessas condições é obrigação legal. “Se a gente não cobrar, estaremos cometendo crime de prevaricação [quando o servidor público deixa de fazer seu serviço].”

O chefe da pasta diz que o aumento dos casos de cobrança retroativa se deve também ao aprimoramento das tecnologias. “Quando não tinha Google Earth era muito mais difícil”, disse.

Segundo o subsecretário Pedro Ivo Gandra, os auditores fiscais chegam a esses imóveis por meio de buscas na base de dados da prefeitura. Os alvos geralmente são imóveis que pagam IPTU mais baratos, na chamada faixa mínima. “É feita uma análise de quem está na tributação mínima para ver se é compatível com o imóvel. O que a gente faz é equilibrar”, disse.

No caso do condomínio Jardins e Quintais, uma área de lazer que inclui piscina, quadras poliesportivas e espaço para festas não estava computada no cálculo do imposto, o que gerou a cobrança extra. A fiscalização foi baseada em denúncia feita em 2014, em meio às investigações sobre a Máfia do ISS, e finalizada neste ano.

O subsecretário explica que o valor venal (de referência, usado para cálculo de imposto) pode ser alterado todo ano por uma série de fatores, que vão desde o envelhecimento do imóvel ou alterações no entorno.

INFORMAÇÃO FALSA

Para Megale, cobrar imposto indevido garante o não aumento do IPTU nos anos futuros. “O que me permite não aumentar impostos? Em parte, é fiscalizar melhor quem não paga um imposto que já está posto”, diz o secretário.

Sem citar o caso específico do condomínio da zona sul, diz que há casos em que a construtora mente e a prefeitura lança o imposto com base na informação falsa. “O dono da construtora chega para os interessados e diz: ‘Comprem aqui, é só R$ 50 de IPTU”. Se o imóvel é alvo de fiscalização, porém, será cobrado.

O subsecretário diz que não há nenhuma irregularidade na cobrança retroativa. “Pelo contrário, a lei obriga a lançar o tributo dentro do prazo decadencial [5 anos] quando constata que algo foi feito errado”, disse Gandra.

De acordo com a prefeitura, donos de imóveis que recebem cobranças retroativas de IPTU em 2016 não podem participar do PPI (programa municipal de parcelamento de dívidas). O imposto, porém, pode ser parcelado em dez vezes.

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