Em 29 de março de 1549 nascia oficialmente a Cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, sob o signo de áries. Seu fundador, Tomé de Sousa, recebera ordens do rei D. João III para erguer aqui uma cidade-fortaleza. E ele o fez. Mas, o que o primeiro governador-geral do Brasil encontrou, não apenas já existia como organização social, como se imporia para sempre ao caráter da capital: o sincretismo, a mistura como lema. Sim, quando Salvador nasceu, não só o português Diogo Álvares tinha sido rebatizado de Caramuru, como a tupinambá Paraguaçu também já se chamava Catarina. E se agora comemoramos 470 anos da tentativa da Coroa de botar ordem às coisas, poderíamos muito bem celebrar 510 anos de uma catrevagem inordenável a que chamamos de Salvador, a primeira capital do Brasil, de elemento fogo (no rabo). Não é a toa que, sendo ainda a primeira cidade planejada do país, pelo traço do arquiteto Luís Dias, uma espécie de Brasília do século XVI, Salvador ferve em sua caótica exuberância.

“Nas sacadas dos sobrados / da velha São Salvador / há lembranças de donzelas / do tempo do Imperador. // Tudo, tudo na Bahia / faz a gente querer bem. / A Bahia tem um jeito / que nenhuma terra tem”, na estrofe de Dorival Caymmi, Salvador e Bahia se confundem; a capital congrega o estado inteiro. Assim é também no estribilho popular “Adeus, meu Santo Amaro” que diz “Eu vou para a Bahia”, como se dissesse eu vou a Salvador. Isso por que, num processo linguístico comum e revelador, a Cidade da Baía de Todos-os-Santos tornou-se no correr dos anos a Cidade da Bahia e, de forma prática, a Bahia.

Pródiga em receber bem, Salvador tem um vasto histórico de visitas ilustres. Em fevereiro de 1832, Charles Darwin chegou à cidade. Deslumbrado com a paisagem, o pai da Teoria da Evolução anotou em seu diário: “Deliciosamente: deleite é, contudo, um termo fraco para um tal veículo de prazer”. Mesmo na literatura, a capital baiana é pouso certo: personagem principal do primeiro romance da língua inglesa, Robinson Crusoé também viveu na cidade onde, antes mesmo de conhecer Sexta-Feira, conviveu com a gente generosa do local. A mesma que, anos depois, receberia de Janis Joplin a Fidel Castro.

“Para quem nasceu na Bahia, Nova York sempre será periferia”, a frase-slogan é do historiador e tradutor Paulo César de Souza e remete ao período em que a aniversariante era a maior cidade das Américas. Traduzindo: mesmo quando perde a majestade, o orgulho da Roma Negra não se abala. “A graça de Salvador não se explica por vias naturais. Aqui falta tudo, mas, mesmo assim, transborda”, define o comerciante Clarindo Silva, guardião do Centro Histórico. E quem há de negar que esta lhe é superior?

Após enfrentar um período deprimente, enfim a primeira capital parece retomar os trilhos de sua acidentada tradição. E por falar em Nova York, Salvador é a única cidade brasileira indicada pelo The New York Times para se conhecer em 2019. Não é isso, porém, o que mais importa. “O momento é muito sugestivo. A cidade está instigada novamente a ousar, a ligar sua antena a sua raiz, como nos bons tempos”, avalia o músico Tuzé de Abreu. E parece certo.

DEIXE UMA MENSAGEM