Doze governos estaduais não mencionam termos ligados à educação infantil em suas leis orçamentárias. Creches e pré-escolas são de responsabilidade de municípios, mas a legislação prevê aos estados suporte financeiro às prefeituras —sobretudo diante da realidade de dificuldades financeiras e técnicas da maioria dos municípios.
 

Sete dos 12 estados são das regiões Norte e Nordeste, com maiores desafios. Apenas 2 estados, Mato Grosso e Piauí, preveem recursos para etapa em todas as fases dos orçamentos, o que indica preocupação orçamentária a curto e longo prazo.
 

As informações estão em um levantamento do Instituto Articule, obtido pela reportagem, em que se analisa as três fases do orçamento: a LDO (Leis de Diretrizes Orçamentárias), a LOA (Lei Orçamentária Anual), ambas de 2024, e o PPA (Plano Plurianual).
 

A LDO aponta as prioridades do governo para o ano seguinte, enquanto a LOA estabelece valores de despesas e receitas. Já o PPA define metas e previsão de recursos para um período de quatro anos —foram analisados os planos com vigência de 2024 a 2027.
 

O Articule analisou a menção a termos como creche, pré-escola, educação infantil e primeira infância nos documentos orçamentários. Nenhuma dessas expressões são citadas nas três leis dos seguintes estados: Acre, Amapá, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.
 

A falta de vagas em creche é um dos principais gargalos da educação brasileira. O país tem 2,3 milhões de crianças de até 3 anos fora das escolas por alguma dificuldade de acesso ao serviço, segundo levantamento de 2023 do Movimento do Todos pela Educação.
 

Os maiores índices de exclusão de crianças de creches estão nas regiões Norte e Nordeste, como Acre (48%), que não prevê a educação infantil em seus orçamentos, Roraima (38%), Pará (35%) e Piauí (33%)
 

São dez os estados que mencionam os termos da educação infantil na LOA 2024. No PPA, de 2024 a 2027, o número cai para 9 e na LDO, para 4. No estado de São Paulo, por exemplo, o tema aparece na LOA, mas é ignorado no PPA.
 

“Temos no país um percentual de crianças, sobretudo aquelas que mais precisam, sem acesso à creche. E os municípios têm muitas dificuldades financeiras para dar vazão sozinhos a essa missão, a esse direito”, diz a advogada Alessandra Gotti, presidente executiva do Instituto Articule.
 

“Há uma divisão de tarefas previstas, mas é fato também que a nossa Constituição prevê que as crianças têm prioridade absoluta na garantia dos seus direitos, dentre esses, à educação”, afirma.
 

O levantamento foi feito diretamente nos textos disponibilizados pelas Assembleias Legislativas e nos Diários Oficiais.
 

O professor Rubens Barbosa, da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação, diz que é preciso mudar a cultura política para que os estados cumpram com a colaboração.
 

Os governos estaduais só foram obrigados a contribuir com os municípios na educação a partir de uma emenda constitucional de 1996, que previu a redistribuição dos recursos fiscais dos estados e municípios destinados ao ensino fundamental.
 

“Os estados têm que fazer leis sobre como distribuir o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços] obrigatoriamente para a melhoria de índices educacionais. Como a maior parte dos municípios cuida da educação infantil, a maior parte vai para a educação infantil”, diz Barbosa.
 

Questionado, o Consed (conselho que representa as secretarias de educação estaduais) diz estimular que as gestões apliquem a legislação e entende que a alfabetização das crianças requer um esforço conjunto.
 

“Isso facilita a condição de conhecimento e aprendizagem que os alunos chegam no ensino fundamental e no ensino médio”, diz Roberta Barreto, do Conselho.
 

A presidente do Articule ressalva que os investimentos para a educação infantil podem, em alguns casos, estar incluídos e misturados em outros orçamentos. O que não é considerado adequado.
 

“Se é para construção de creche, precisa estar na rubrica da educação, porque é a primeira etapa da educação básica”, diz Gotti. “Creche é um serviço a ser prestado para as crianças na garantia do direito à educação, não como uma assistência social”.
 

Procurado, o MEC (Ministério da Educação) diz que os estados estão inclusos no pacto federativo, que prevê a oferta pública de educação infantil como responsabilidade dos municípios em parceria com os estados e a União.
 

Da mesma forma, o ministério é obrigado a colaborar. O governo Lula (PT) prometeu ano passado destravar obras de educação paradas, mas até agora nenhuma foi retomada. São 1.317 obras de creches e pré-escolas paradas, o equivalente a 35% do total.
 

Dos estados que não declararam a educação infantil em nenhuma das três leis, o Rio de Janeiro informou dar apoio financeiro à educação dos municípios em casos de necessidades específicas. A Bahia disse ter elaborado, no Plano Plurianual 2024-2027, programa de apoio às redes municipais de ensino com assessoramento técnico-pedagógico e financeiro.
 

O Tocantins disse firmar parcerias para o desenvolvimento da educação infantil. Minas Gerais informou que a colaboração com os municípios está detalhada nos textos de programas e projetos previstos na Lei Orçamentária Anual de 2024.
 

Acre, Amazonas e Paraná alegaram apenas que a responsabilidade da educação básica cabe aos municípios e que, por isso, termos vinculados à área não foram encontrados em seus orçamentos.
 

São Paulo informou trabalhar em cooperação com os municípios e firmou programa de alfabetização junto a esferas municipais com foco em crianças até 7 anos. No programa, o estado arca com material didático e formação de professores.
 

Pará, Rio Grande do Sul e Maranhão informaram que as prioridades e destinações à educação infantil constam no PPA. Nele, estão apoios a construções de creches, programas de alfabetização, capacitação de professores e gestores, entre outros.
 

O Ceará disse investir na área por meio de um programa dos ensinos infantil e fundamental, que inclui desde concessão de bolsas até construção e aquisição de equipamentos de centros de educação infantil.
 

Em nota, a Secretaria de Educação do Espírito Santo afirmou que conta com “o Fundo Estadual de Apoio à Ampliação e Melhoria das Condições de Oferta da Educação Infantil no Espírito Santo (Funpaes)” instituído por um lei estadual. O fundo, diz a nota, está identificado na ação de “colaboração estado/município” e por “PO – Plano Orçamentário”.
 

A Secretaria de Sergipe, também em nota, disse que a “primeira infância e a educação infantil é prioridade”.
 

Segundo a pasta, o governo lançou o Programa de Apoio aos Municípios para a Expansão da Educação Infantil, “com objetivo de garantir às crianças de 0 a 5 anos e 11 meses o acesso à educação infantil, por meio da construção e garantia de funcionamento de 75 creches-escolas ao longo dos próximos anos”. O governo, diz a nota, também conta com o projeto Alfabetizar Pra Valer desde 2019 “para fomentar o regime de colaboração entre Estado e municípios”.
 

Todos os estados foram procurados. Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Santa Catarina não responderam.